sexta-feira, 12 de outubro de 2007

A Nota


Nos últimos tempos tenho reflectido bastante acerca do estado da imprensa de videojogos actual. Por muitas voltas que dê, acabo sempre por voltar ao mesmo: a Nota. Com letra grande porque este número rapidamente se tornou no Deus da análise a um jogo. É ela que resume o título, é ela que diz ao leitor se deve comprar ou não determinado produto. Mais do que isso, é ela que é citada vezes sem conta em fóruns, blogs, chats e afins. Mas será a Nota assim tão importante?

A questão torna-se interessante se pensarem num jogo como um veículo de sensação e emoção, uma experiência. O problema advém do facto de as sensações e emoções serem subjectivas. Dependendo da pessoa, da altura do dia ou da disposição, cada individuo vai ter uma experiência diferente com determinado jogo. Da mesma forma, os gostos e preferências de cada pessoa divergem, pelo que o que é fantástico para uns, pode ser abominável para outros. Logo aqui, temos duas realidades inconciliáveis. De um lado o jogo, subjectivo, do outro a Nota, um número objectivo.

É impossível reduzir uma tarde de diversão a um 80. É impossível reduzir as sensações que uma boa aventura gráfica e as suas personagens nos dão a um 90. É impossível reduzir uma série de humilhações num servidor de Counter Strike a um 50. É impossível reduzir um jogo a uma Nota.

Mesmo assim, a imprensa especializada, segue a dupla texto-classificação como se da Bíblia se tratasse. É um imperativo comercial. Grande parte dos leitores esperam de uma análise - que é diferente de uma crítica, mas deixamos isto para outras núpcias – uma forma de decidirem compras futuras. Mais vezes que não, o texto é lido de passagem, a experiência deixada de lado e a Nota sobe ao palco, omnipotente. Tem 95, compra. Não passou dos 70, não vale a pena.

É o facilitismo do consumidor levado ao extremo, mas, mais do que tudo, é o reflexo do que os profissionais da área têm incutido na sua audiência. A mentalidade “catálogo de compras”, chamemos-lhe assim. O resultado é desastroso. Se é verdade que ainda existem indivíduos empenhados em criar prosa, outros há que se contentam em debitar feature lists e deixar a Nota falar por eles, dando ao leitor as palavras que eles mesmos não conseguiram pôr no papel.

E é contra este tipo de jornalismo que me insurjo. Sou culpado do mesmo em muitas instâncias, não o nego, mas assumo que é preciso mudar. O caminho é longo e passa por uma consciencialização da audiência. Passa também pelo empenho de cada escritor, pela sua busca pessoal, pela dúvida, pelas experiências falhadas, pelo desejo de querer fazer mais e melhor. Sempre melhor. Talvez assim a Nota passe a ser, simplesmente, a nota.

domingo, 17 de junho de 2007

A derrota dos puritanos

Já há algum tempo que Franco Frattini, comissário de justiça da União Europeia, embarcou numa pequena cruzada contra a violência nos videojogos, numa tomada de posição que teve o seu ponto mais alto quando a publicação do jogo Rule of Rose foi impedida na Itália.

Num comunicado de imprensa disponibilizado no inicio deste mês, Frattini afirma que é necessário ensinar às crianças o perigo do extremismo, do racismo e da violência. Tudo excelentes ideias, se me perguntarem a mim. Afinal, se há coisa que não quero, é ver um filho meu tornar-se no próximo anti-cristo. Claro que, para o comissário europeu, a melhor forma de conseguir uma melhor educação para as crianças passa por banir do território comunitário os jogos violentos, criando uma lista de títulos detentores de características tão atrozes como sangue e violência contra figuras humanas.

Não sendo eu extremista ao ponto de ignorar os potenciais efeitos negativos que um videojogo possa ter sobre jovens, também não sou tão puritano que consiga ver nesta estratégia a cura para todos os males. Frattini é o primeiro a admitir que os jovens de hoje pertencem a uma geração tecnológica cujo conhecimento na área ultrapassa em larga medida o dos seus pais. Segundo ele, é este fosso tecnológico que impede os progenitores de monitorizar as actividades da sua prole.

Pergunto-me então se não seria mais lógico investir os fundos comunitários na educação dos pais, ao invés de na castração das actividades dos filhos. É que nem sequer é preciso ensinar a todos os cidadãos como mexer num computador ou numa consola. Bastam umas quantas lições de civismo para que o pai mais ingénuo consiga identificar o código etário presente na capa de qualquer jogo comercializado. Claro que depois é preciso ensinar aos papás que quando o miúdo fizer berreiro, é preciso saber dizer que não, esta sim, uma tarefa titânica.

Por sorte, ainda vivemos num continente em que o bom senso prevalece. Mesmo defendendo que é necessário tomar medidas contra os videojogos violentos, os ministros da justiça europeus concordaram que banir estes produtos seria uma medida extrema e a evitar.

Este episódio caricato é o reflexo do enorme grupo de burocratas que tenta reger a vida do comum mortal. Neste caso específico, temos duas facções: uma geração engravatada que tenta legislar aquilo que não conhece, e uma outra que, tendo de viver com aquilo que lhes foi ditado, não tem o poder suficiente para legislar. O resultado são tentativas de instaurar políticas desenquadradas da realidade social e, em última análise, verdadeiros ataques às liberdades individuais de cada um.

sábado, 16 de junho de 2007

Press Start

Há poucas inovações do século XX que consigam superar a Internet. Espaço multicultural por excelência, propiciou o início de uma era em que o fluir de informação e a liberdade de expressão assumem posições de destaque no tecido da nossa sociedade. Saturado, é certo, mas mesmo assim imbatível na autonomia que oferece aos seus utilizadores, quer sejam produtores de conteúdos ou “simples” leitores.

É com este espírito em mente que abro as portas do Digital Analógico, um blog que se propõe debater temas quentes dentro do universo dos videojogos. As análises deixo-as para o emprego diário e para todos aqueles que me acompanham na luta constante que é fazer jornalismo dentro desta área em Portugal. Temáticas como a arte e os videojogos ou o impacto social desta indústria, serão o pão nosso de cada dia por estas bandas. Mais do que falar dos jogos em si, urge debater tudo aquilo que os rodeia, nem que seja para que se consiga um melhor entendimento deste fenómeno.

Tudo isto na primeira pessoa, sem grilhões de opinião nem receio do juízo alheio. Mais que tudo, com bastante humildade, que isto de ganhar a vida a escrever acerca de videojogos não nos torna melhores que ninguém – nem como jogadores nem como pessoas.

Assim, se mais do que jogadores são amantes dos videojogos, da literatura ou do cinema, bem-vindos. Espero que consigam encontrar no Digital Analógico um recanto aprazível e onde podem expressar as vossas opiniões. Na primeira pessoa, claro está.